Uiiiiiiiiiii, que saudades!
Para começar, tinha dez anos a menos, algo que, convenhamos, não é nada de menosprezar, ainda para mais numa altura em que vou entrar na geração dos "entas", e depois, porque ... , bem ... , porque foram na realidade anos loucos e de autêntica loucura!
A bem dizer, acho que já nasci com o "bicho" das corridas dentro de mim. A minha Mãe, meio a brincar, meio a sério, costuma dizer que se lembrou de aprender a andar de bicicleta quando estava grávida de mim, podendo estar aí a explicação para tal facto, e em relação ao meu Pai, ainda hoje alguns amigos falam dos seus feitos destemidos, ao guiador de uma AJS ou de uma Royal Enfield, já lá vão mais de cinquenta anos.
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Assim sendo, se calhar é algo que me está nos genes, tendo-se manifestando primeiramente "em versão duas rodas", e tal como já aqui disse algumas vezes, foi tudo uma questão de esforço, empenho e perseverança para conseguir alcançar o sonho. Ainda para mais há vinte e tal anos atrás, numa altura em que não havia nada como há hoje, e onde para se fazer algo ou encontrar as coisas mais banais era necessário um verdadeiro filme, e a três dimensões. Algo simples como uma corrente, uma cremalheira, pneus ou equipamento, eram verdadeiramente dificeis de encontrar, levando a que nós, os pilotos da altura, fossemos muito poupadinhos e preocupados com o material. Pois não, xiça!
Mas adiante ... , foram grandes tempos, onde estruturas verdadeiramente caseiras e constituidas na sua maioria por curiosos e amigos, fizeram maravilhas, levando o conceito de sonho a uma outra dimensão e possibilitando a que se tenha chegado a este nível de evolução e semi-profissionalismo onde temos que estar hoje, se ambicionamos chegar a algum lado.
Tudo começou em 1989 com a participação na Baja Portalegre 500, quando esta prova ainda era só para duros. Nesse ano, sairam mais de 300 motas para pista, atingindo o final apenas 60, sendo um deles, precisamente aqui o vosso escriba.
Creio que a partir dessa altura, todos aqueles que me eram próximos e que podiam de alguma forma duvidar do meu empenho, tiveram aqui a resposta de que esta seria uma viagem longa e para fazer até ao fim.
A partir desse dia as coisas foram acontecendo e a estrutura foi-se tornando cada vez mais séria. Já há data, a nossa grande preocupação eram os nossos parceiros e a forma como conseguiríamos gerar o máximo de retorno para todos, e ao fim de todo este tempo, é com grande orgulho e satisfação que vos digo que quase todos continuam a ser grandes amigos meus, e alguns inclusive, ainda hoje me continuam a acompanhar como parceiros.
Ao longo de todos esses anos consegui várias vitórias e pódios, alguns deles em provas internacionais, o título de vice-campeão Nacional de enduro e ainda uma participação no campeonato do Mundo de enduro envergando as cores da selecção Nacional, mas o que na realidade me fica na memória é a forma como se arriscava o corpo em cada prova, partindo ao assalto do cronómetro como se não houvesse amanhã.
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Tenho plena consciência daquilo que arrisquei, e dos riscos exagerados que corri, em busca de algo que não consigo descrever por palavras e que possivelmente muito pouca gente entenderá, mas também é verdade que nunca, até hoje, me senti tão vivo como durante toda essa época.
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Há coisas que na realidade não têm explicação, e que nem mesmo nós conseguimos entender, mas a verdade é que, no período após um grave acidente numa das últimas provas que disputei, em 2001, e onde fui obrigado a ficar em casa durante bastante tempo, em recuperação e recebendo os cuidados diários de um enfermeiro, foi precisamente a altura onde notei essa sensação com maior intensidade;- Ali estava eu, na cama, com o corpo que mais parecia um pano bordado em ponto cruz, a cabeça do tamanho de uma bola de basket e com o sangue a ferver dentro de mim e a sentir-me "vivinho da silva" como nunca. Vá-se lá entender isto...
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Concordo inteiramente com o escritor Paulo Coelho, quando ele diz que, o que nos impele a fazer determinadas coisas, é na realidade sermos dos poucos animais que temos a noção daquilo que nos pode acontecer e dos riscos que corremos, mas que, é na verdade a consciência disso mesmo, que nos leva no final, a sentir uma intensa euforia, um prazer imenso de viver e a querer alcançar determinadas metas e objectivos.
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Apesar disso tudo, chega uma altura em que a nossa consciência também nos deve dar um sinal de quando devemos parar e de quando é chegado o momento de virar a página de forma consciente e sem estar a desafiar a lógica do Universo, e foi exactamente o que aconteceu comigo.
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Desse período, ficam grandes recordações, muitas saudades e alguma nostalgia, daquilo, que a mim já me parece que aconteceu num outro tempo e numa outra vida.
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Enfim ... , ANOS LOUCOS!!!
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Um abraço.
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A.Neves